Nesta instalação que chamo de instalação compartilhada, o publico compartilhou a performance escrevendo seus sonhos nos papeis e penduraram nos pregos da instalação...
Ate o final da exposição os visitantes poderam participar com seus sonhos...
conselheiro de cultura e o artista plástico Ubiratan Fernandes
Canela, Rio Grande do Sul, Solar Azul do Galo Cantante, março de 2014.
Numa manhã de domingo, daquelas em que o sol prevê o outono, visito o ateliê da artista Kira Luá (São Paulo/SP, 1963). Localizado no sopé do Parque das Sequóias, o lugar exala inspiração por todos os lados. Singelas e coloridas habitações são rodeadas de jardins e esculturas, que compõem a camuflagem caleidoscópica desta paisagem.
O convite para conhecer este recanto da artista chegou recentemente, a propósito da exposição OS PREGOS SERVEM PARA PENDURAR COISAS E PRENDER SONHOS..., selecionada pelo edital do IV Prêmio do Instituto Estadual de Artes Visuais / IEAVi – distinto concurso público para a divulgação e valorização da produção artística contemporânea do Rio Grande do Sul – que esperamos seja tão duradouro, quanto a qualidade dos seus artistas.
No entanto, nosso primeiro contato foi em janeiro de 2011, quando o Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul / MACRS − ao qual tive o privilégio de servir − organizou um Leilão de Arte Contemporânea, em prol da cidade gaúcha de São Lourenço do Sul, arruinada pelas fortes chuvas de verão daquele início de ano, para o qual a artista doou uma obra. Neste ato inaugural da nossa amizade, iniciei a observar e perceber, embora ainda sem a merecida atenção, o espírito criativo e engajado da artista. Em especial, a partir da nascente série batizada de “Seres Imaginários”.
Todavia, estas fantásticas criaturas multicoloridas são uma parte do universo subjetivo em que habitam as obras de Kira Luá. Filha de pai francês e mãe chinesa, casada com o escultor italiano Mario Palermo e mãe de dois filhos, é formada em arte educação pela Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP (São Paulo, 1985), com especialização em arte terapia e complementação em educação ambiental. Porém, antes de ser artista, desde sua adolescência, Kira já sonhava com a ideia de viver em meio à exuberância da natureza (pausa para observar uma grande borboleta branca, que se alimenta com tranqüilidade da polpa de um caqui vermelho, explodido no chão verde do pomar da artista).
A diversidade da sua origem étnica já revela muito da sua generosa herança humana, do gosto de provar o mundo a sua volta, de experimentar, atavicamente, as forças vivas que a constituem − da minúscula fécula de uma raiz, avançando pelo calcário de conchas e areias que formam há milênios o solo terrestre, de onde também extrai o barro que faz brotar suas formas artísticas, até a solidez das rochas, cujos volumes aparentemente inertes, são provocados pelo seu olhar ao desafio da gravidade. Tudo são sedimento e construção no trabalho da artista.
Em algum momento deste inventivo percurso, Kira interrompe sua seqüência narrativa para contar que as pedras dançam... Pensativo, ouço o zumbido das abelhas que ocupam a copa de uma frondosa árvore ali perto. Seria ao som da floresta que os espera? Deduzo. Provavelmente, pois é intenção confessa da artista animar tais formas caminhantes por todos os lados deste idílico local. Lê-se em uma das suas caixas um haiku:
as pedras ficaram
penduradas ao vento
elas dançam
O que podemos achar deste trabalho de que estamos diante agora, senão que está carregado de um sentimento libertário e corajoso que edifica a obra da artista e o ser humano que a compartilha. Uma exposição fotográfica dentro do tema e um ato performático completam a instalação, na qual dispensa acessórios hodiernos em alguns pregos que os servem na sua banal utilidade, enquanto outros ficam livres para igualmente “dançar” ao som do músico Roger Coicev, a espera de encabeçar desejos, poemas e sonhos do público ao seu redor.
André Venzon
Artista visual e curador independente
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